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Mesmo diante dos desafios, primeira infância tem de ser atendida com urgência

É o que diz a deputada federal sorocabana Iara Bernardi (PT), para quem não há mais como adiar o atendimento às crianças na Educação Infantil

"Não é mais possível adiar o atendimento das crianças na Educação Infantil", sentencia a deputada federal sorocabana, Iara Bernardi (PT). Mais do que uma constatação, a frase traduz, conforme a parlamentar, a vontade do governo de encaminhar soluções para o gargalo. Iara integra a Comissão de Educação e Cultura da Câmara e também faz parte do grupo de trabalho criado para elaborar propostas legislativas voltadas a regular o marco da primeira infância no Brasil.

 

Ela e outros nove colegas estiveram na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, a convite da instituição, para um período de aprendizado sobre os avanços no campo da neurociência. A gestão do presidente Barak Obama tem investido pesado em pesquisas que confirmaram que, a partir dos três anos de idade, o cérebro da criança apresenta condições mais favoráveis de assimilação. Os estudos por lá avançam, agora, na direção da cura das doenças degenerativas do sistema nervoso, como o Parkinson e o Alzheimer.

 

Aqui, além disso, a ideia é aplicar tais conceitos na construção de um modelo pedagógico que possibilite melhor formação dos indivíduos. Com base no entendimento de que "é de pequenino que se torce o pepino", o trabalho estará voltado, num primeiro momento, na capacitação de educadores. Iara diz que, junto com outras lideranças, luta para destinar 100% dos royalties apurados com a exploração do pré-sal e 10% do PIB para atender a demanda. O tema é controverso e esbarra em vários entraves apontados por administrações municipais. Nesta entrevista, Iara Bernardi diz que as cidades dispõem, sim, de condições de fazer a lição de casa e garantir educação de melhor qualidade.

 

CS: O Brasil está preparado para desenvolver ações voltadas ao atendimento da chamada primeira infância?

 

Iara: Não é mais possível adiar o atendimento das crianças na educação infantil. Estamos na luta pelos 100% dos royalties para a educação e de 10% do PIB. Temos que universalizar, até 2016, o atendimento escolar da população de 4 e 5 anos, e ampliar a oferta como prevê, inclusive, a Meta nº 1 do Plano Nacional de Educação. As pesquisas, como aquelas a que tive acesso, recentemente na Universidade de Harvard, comprovam que, entre zero e 6 anos de idade, a criança desenvolve a base neuronal que sustentará o aprendizado pelo resto de sua vida. O problema é que em nosso país, temos de enfrentar, ao mesmo tempo, pendências típicas do Século XX, como a implantação da educação infantil, educação de qualidade para todos, com os desafios do Século XXI.

 

CS: É muito forte, ainda, a preocupação com a questão da falta de vagas em creches. Como mudar a visão dos governantes?

 

Iara: Insisto: as crianças não podem esperar. "Para elas, não podemos responder amanhã; seu nome é hoje". A responsabilidade do Estado brasileiro, em particular ao nível dos municípios, relativamente à primeira infância é desafiadora. Na realidade, em muitas situações os desafios parecem insuperáveis, mas temos de nos esforçar para atingi-los. As metas do próximo Plano Nacional de Educação preveem ações conjuntas e regime de colaboração entre União, Estados e Municípios para as políticas interssetoriais de atendimento à criança.

 

CS: Os Estados Unidos avançaram no campo da neurociência, mas, ao contrário do Brasil, o país dispõe de mais recursos. Sob esse aspecto, estaríamos também preparados?

 

Iara: O Brasil já se tornou a sexta economia mundial. Porém, não melhoraremos de posição e não consolidaremos nosso desenvolvimento se não ousarmos, se não inovarmos, se não pensarmos grande, se não pensarmos o futuro a partir da educação. Eu, durante os estudos que realizei na Universidade de Harvard, consegui identificar a existência de uma forte disputa de sentidos no campo da educação na primeira infância. Estou entre aqueles que visam contribuir de forma mais contundente rumo à defesa da educação na primeira infância como parte integral do direito humano à educação. As metas de números 1,18, 22 e 23 do Plano Nacional de Educação tratam especificamente dessas questões. A primeira meta trata do atendimento às crianças de zero a seis anos de idade, mas para que ela seja alcançada serão exigidos altos investimentos nos próximos anos e alteração da política macroeconômica. E isso exigirá a nossa militância.

 

CS: Como se dará a aplicação prática das ações pedagógicas da primeira infância? Já existe um modelo a ser seguido?

 

Iara: Em primeiro lugar, os municípios estão amparados desde a Constituição de 1988 que acolheu a demanda da educação infantil como direito da criança, dos pais trabalhadores urbanos e rurais, do direito à diferença, do dever do Estado, da opção da família. Já a LDB de 1996 estabelece a educação infantil como a primeira etapa da educação básica. Há experiências de políticas públicas de educação ofertadas para a população de zero a 5 anos e 11 meses de idade, em todos os estados da Federação, inclusive com recursos constitucionalmente vinculados e regulamentados no Fundeb. Para a educação infantil, o MEC tem uma série de programas que podem ser aplicados quando necessário.

 

CS: Como anda o processo de aprimoramento dos educadores diante das mudanças que devem ser implementadas?

 

Iara: O profissional da Educação Infantil deverá ter um preparo especial. O professor que atua na educação infantil deve ter uma preocupação específica sobre como lidar com as crianças no dia a dia. É decisivo conhecer como se estrutura e funciona a psique infantil. O profissional de Educação Infantil deverá ter um domínio dos conhecimentos científicos, para o trabalho com a criança pequena (saúde, higiene, psicologia, antropologia e história, linguagem, brinquedo e das formas de expressão humana, de desenvolvimento físico). O ideal é que o professor tenha algumas atitudes, estratégias e comportamentos que favoreçam uma melhor aceitação e desenvolvimento dessa criança no ambiente escolar, propondo atividades para as crianças, das quais elas se lembrem. Infelizmente, os profissionais não são valorizados, têm geralmente os piores salários, jornadas excessivas, classes superlotadas e não recebem a necessária formação continuada. Este quadro tem de mudar!

 

CS: Como se dará o trabalho do grupo criado para aperfeiçoar a legislação brasileira aplicada à primeira infância?

 

Iara: Algumas propostas políticas para estruturar definitivamente a primeira infância constaram do relatório final do 1º Seminário Internacional "Elaboração, pelo grupo parlamentar, de um Marco Legal da Primeira Infância", no Congresso Nacional. Nossa incumbência é rever e aprimorar a legislação já existente, propondo novas ações e responsabilidades, recursos e foco nas políticas públicas.

 

CS: Já existem ideias de normas que pudessem ser adotadas com o objetivo de suprir o vácuo legal hoje existente?

 

Iara: O Grupo de Trabalho da Primeira Infância propõe, para citar alguns exemplos de ações, manter as organizações da rede informadas sobre iniciativas legislativas no campo; utilizar o conhecimento técnico, político e social da articulação para influir na formação da opinião pública e na configuração das políticas. Queremos, ainda, trabalhar ações propositivas para a resolução de problemas que afetam as infâncias; contribuir para a organização da sociedade com vistas a defender e garantir os direitos da criança.

 

CS: O que se pode esperar da geração que receber cuidados na primeira infância?

 

Iara: Os cuidados na primeira infância poderão nos ajudar na incrível tarefa que é formar pessoas mais saudáveis física e mentalmente, menos vulneráveis, mais integradas socialmente Os estudiosos de Harvard constataram, em pesquisas, que os três primeiros anos são essenciais para a estruturação cerebral, pois é neste período que as conexões sinápticas, ou seja, a troca de informações que envolve processos químicos e elétricos do cérebro, acontecem com maior agilidade. Embora essas conexões ocorram por toda a vida, é comprovado que crianças que recebem maior estímulo nesse período apresentam uma base diferenciada e mais rica em relação à aprendizagem. O prazer e os momentos de "frustração" são fundamentais para a construção de uma base emocional e afetiva sólidas. (J.A.R.)

 

Jornal Cruzeiro do Sul - Caderno de Domingo - Edição 30.06.2013

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